sábado, 3 de dezembro de 2011

LÂMINA

Por isso aproveito tudo
Sorver até explodir.
(a janela está fechada agora porque concentro-me a escrever)
E o ruim disso tudo é que nem dez vidas seriam suficientes
Eu, a superfície limítrofe entre a apatia da sabedoria
E a efervescência da insanidade, sem adjetivos.
Busquei sempre a incompreensão do mundo
Trago comigo aquilo que ninguém, jamais, soube
Construo-me diariamente entre diálogos vãos
E o silêncio
Observo apenas
Meus castelos são fluídicos, imateriais segredos
Percebo tudo diferente
A forma me é desprezível
Interessa-me a essência das coisas
O etéreo que se encobre e desaparece,
No mesmo segundo,
Pelo mero descaso do olhar.
Fui sempre assim e apenas ontem me dei conta
Como pude, então, sobreviver até hoje
Inconsciente
As pessoas apenas pingam sobre mim
Como garoa em mar calmo, indiferentes
Não que eu seja insensível. De modo algum.
As dores do mundo muito me abalam
Quase me abatem, quase desisto.
É que as pessoas jamais entenderiam
Porque não vêem com meus olhos,
nem ouvem com meus ouvidos
E prefiro me deleitar sozinha a ter de destruir
uma verdade alheia
às vezes me arrependo das palavras ditas,
que ecoam sem esforços pelos ouvidos
Nunca dos sorrisos, poucos podem compreendê-los
Por isso, gratuitamente os distribuo.
Mas ainda há tanto a fazer
A construir, a conquistar...
Que muitos já se esquecem de respirar
E eu, aqui, insistindo em só viver.

domingo, 13 de janeiro de 2008

RELICÁRIO

Em cada mergulho,

A memória falha em algum ponto

As lembranças fogem...

as sensações, nunca.

O que faz sentido morre.

O que foi sentido é eterno.

Com as mãos feridas,

Ainda tento costurar tua pele à minha

Com um fio do que já passou.

O dia está cheio de naturezas mortas

E a verdade é fumaça:

Cor...

Forma...

Nada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Um vento calmo e frio adentra a sala pela janela entreaberta. Aqui dentro a atmosfera é sutil e etérea, com boa dose de melancolia. A luz está apagada, mas alguns raios do dia cinzento que está lá fora, conseguem entrar. Aqui, nesse rincão isolado de algum lugar do mundo, habito sozinha, há tempos. Das pessoas lembro-me apenas de alguns vultos, de alguns atos. Fugiram as fisionomias e as vozes. Às vezes uma recordação me visita, e consigo lembrar das tantas vezes que me fizeram chorar, mas quase nunca me lembro de quando fizeram-me sorrir. Sinto que a realidade já está muito longe, perdi meu elo de comunicação com o mundo, e já não sei distinguir lembrança e delírio. Já ouvi sons, mas temo que tenham vindo de dentro de mim. O passado e o futuro me assustam. Prefiro manter-me no presente que conheço, assim, nesta outra dimensão. Os dias passam lentos, se arrastam aqui neste lugar, onde nem sei como cheguei, mas me são indiferentes. Vivi cercada de pessoas, mas o coração sempre sozinho. E agora, tenho medo de chegar na janela...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

PORTAL

Quartos guardam muito mais do que camas e armários
Janelas cerram a vida no mundo alheio
No vão da porta se escondem desejos
E lágrimas dormem nos travesseiros

O preto só é preto porque alguém assim o disse
Quem terá sido capaz de inventar a escuridão?

Os livros na estante não são só livros
Suas páginas às vezes são espelhos
Houve um tempo em que engolia tais palavras
E quantos segredos eu vejo pendurados
No testemunho do olhar destes quadros.

Um sonho frágil esvaído ao chão
Cinza de cigarro, poeira, farelo de pão
No teto, teia de sons que teceste com tuas mãos

Mas as cortinas já se fecharam
O espetáculo, há muito, está encerrado
E o relógio na minha frenteDerrama horas que escorrem pela parede.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Receita de Poesia


Junte uma dose de melodrama

A uma dúzia de palavras bonitas

Modele um alguém que se engana

Em toda experiência vivida

Acrescente, a gosto, a rima

Em forno baixo, assina!

Na cobertura, por cima

Despeje todo o tema:

Está pronto o poema.

Ps.: Esqueça a moderação

E sirva porções generosas

Poesia nunca é demais...

Se não fizer bem,

Mal não faz!

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Lapso


O sabor do vento salgou teus olhos,
último fio de luz do horizonte.
A superfície imaculada de tua imagem
ainda insiste em manter
uma chaga entreaberta.

As lembranças, folhas outonais,
pairam na mesma brisa
em que partiste...
As janelas foram douradas
com um novo rosa de aurora.

Na boca de areia, a língua rachada.

Tua voz já foi seiva
de tudo o que era vivo.
Hoje, teu silêncio é ópio
para as margaridas.